A teologia é um campo complexo, constituído
por diversas áreas como: teologia prática, teologia sistemática, teologia
fundamental e teologia bíblica. Estas áreas clássicas apontam as principais
fontes do fazer teológico.
Dentro da área da teologia bíblica, a Bíblia
é a principal fonte de estudos, porém não é possível descartar o apoio das
ciências modernas que têm, no ultimo século, feito uma grande contribuição aos
estudos bíblicos de tal maneira que já não é mais possível pensar num estudo
coerente sem o auxilio de disciplinas ciências como: História, Arqueologia, Exegese,
Hermenêutica, Linguística e Semiótica, entre outras. Atualmente, perspectivas
interdisciplinares vêm demostrando uma grande importância para conceber novos
olhares no campo bíblico.
A história das formas, perspectiva teórica
que une a história e a linguística, trata-se de uma perspectiva que atualmente
vem se destacando em estudos e pesquisas da formação, produção e composição
textual da literatura do cristianismo-primitivo, de modo a servir como
ferramenta para o teólogo fundamentar e legitimar com propriedade sua prática,
como também, obter uma melhor compreensão das bases fundamentais da fé cristã. A
tarefa da história das formas, no que se refere ao estudo da literatura ou dos
escritos do cristianismo-primitivo, consiste não somente em classificar e
analisar a literatura canônica neotestamentária, ela vai além, procura considerar,
avaliar e implicar o valor dos demais escritos e literaturas produzidos no período
do cristianismo-primitivo que abrange os dois primeiros séculos da era
cristã.
Os escritos do período do cristianismo
primitivo podem ser estudados tanto com relação às pequenas formas, quanto às
grandes formas. Os primeiros escritos eram pequenas formas textuais como: hinos,
narrativas, pré-formuladas, parênese, compêndios de fé entre outras formas
fixas de tradição oral, denominado, nos estudos de literatura cristã primitiva,
de formas pré-literárias, no entanto, foram quatro, as grandes formas, que
adquiriu destaque como forma literária no Novo Testamento, são elas: as cartas,
atos dos apóstolos, o apocalipse e os evangelhos. (VIELHAUER, 2012, p.39,40.).
O evangelho de Marcos, Lucas, Mateus e João são os mais conhecidos gêneros do
novo Testamento, no entanto, na época dos cristãos primitivos, haviam outros
escritos considerados do mesmo gênero, apesar da forma distinta de composição
textual, como veremos adiante.
A origem do termo
evangelhos
No meio cristão, o termo “evangelho” implica
em dois usos distintos: primeiro, o evangelho denotando mensagem cristã e;
segundo, quando a palavra é utilizada para indicar um livro que relata o
nascimento, vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. (VIELHAUER, 2012,
p.283).
A palavra “Ευαγγέλιον” é o termo técnico grego, da linguagem dos primeiros cristãos, usado para
referir à pregação e a mensagem nas missões dos discípulos, tendo como tema
Jesus Cristo, a palavra era usada de forma absoluta e no singular. (ibid.). Apesar de ser utilizado para
referir as palavras que saem da boca do próprio Jesus, o termo “Ευαγγέλιον” era comumente atribuído à pregação e propagação acerca de Jesus Cristo
aos judeus e gentios pelos apóstolos e discípulos, nesta proclamação, dentre
todos os feitos e eventos que ocorreram na vida de Jesus, somente a morte e
ressurreição tinha peso de valor salvífico na pregação, como podemos ver nas
formulas de fé (pistís), de Paulo.
(cf. 1Co. 15. 3-5.). (ibid.,p.284).
No Novo Testamento, apenas uma vez, em Mt
1.1, encontramos o termo “evangelho” denotando a história de Jesus de maneira
mais interpretativa e expandida e indicando
pregação salvífica. (ibid.). Muito
tempo depois, o teólogo Justino Mártir (100 d.C. – 165 d.C.), emprega o termo
grego plural “Ευαγγέλια“ como gênero de um
conjunto de obras no Novo Testamento e por volta do ano 400 d.C. o termo se
torna comum. (ibid., p.285.).
A produção de
evangelhos, no sentido literário do termo, não ficou restrita as quatro obras
neotestamentária que foram canonizadas no séc. II, há outros escritos que foram
considerados como, evangelhos apócrifos, por não serem aceitos dentro do cânone,
como por exemplo: o evangelho de Filipe, de Maria e o Evangelho de Tomé entre
outros mais. Vamos neste trabalho conhecer de maneira breve, um destes
evangelhos apócrifos, o Evangelho de Tomé.
O Evangelho de Tomé é um dentre tantos
evangelhos produzido no período do cristianismo primitivo. Classificado como
apócrifo, ou seja, que não se inclui dentro do cânone da tradição cristã, tem origem
copta e, é o mais preservado com relação a sua integralidade. (VIELHAUER, 2012,
p.642). A descoberta do Evangelho de Tomé ocorreu em 1945, na cidade egípcia de
Nag Hammadi, onde havia outros evangelhos como: o Evangelho de Felipe, o
Evangelho da Verdade, o Evangelho dos egípcios
e o Evangelho de Maria. (RAMOS, 2001, p.17).
Antes da descoberta da biblioteca de Nag
Hammad, O Evangelho de Tomé era conhecido apenas pela citação de pequenos
trechos nos escritos dos antigos padres da igreja como Cirilo de Jerusalém (313
d.C. - 386 d.C.) e Hipólito de Roma (170
d.C. – 260 d.C.). Essas citações atribuíam o evangelho de Tomé a grupos
heréticos como, por exemplo, os gnósticos. (MEYER, 1993, p.14).
Diversos gêneros: textos exegéticos e
sapienciais, orações, atos, cartas apocalipses e evangelhos foram encontrados
entre os manuscritos de Nag Hammad. Entre os 13 códices, o Evangelho de Tomé
encontra-se no NHC II. (VIELHAUER, 2012,
p.646). Mas precisamente, no códice II, tratado 2, desde a pagina 32, linha 10,
até à pagina 51, linha 28. (RAMOS, 2001, p.14). Por conter ditos de Jesus,
houve uma grande procura após sua publicação em 1956. (Ibid. 648). O original
pode tem possível origem na Palestina, Siria ou Mesopotâmia. (RAMOS, 2001,
p.17). Alguns autores se arriscam a fixar sua origem na Síria.
Devemos levar em consideração que em relação à
classificação do escrito de Tomé, como um Evangelho, indica um interesse e uma
tentativa de nivela-lo com os Evangelhos canônicos. (ibid. p.15). Alguns
liberais e entusiastas o colocam como o quinto evangelho, algo que devemos
olhar com certa desconfiança.
A língua do
Evangelho de Tomé
A literatura copta em sua maioria é composta
de materiais eclesiásticos e bíblicos, produzida por cristãos egípcios como:
evangelista Marcos, Santo Antônio, São Cirilo Santo Atanásio, São Teófilo,
entre outros. Atualmente, apesar de falarem o árabe, os cristãos egípcios, da
igreja copta ortodoxa e católica, utiliza na língua litúrgica o idioma copta.
Neste idioma, há poucos escritos não-religiosos. A maioria dos documentos estão
no formato de “códice”, um tipo de livro feito com folhas de papiro ou couro costuradas
como um caderno.
A versão copta do Evangelho de Tomé parece
ser uma cópia de um original que remonta ao séc. II. As opiniões de estudioso
variam em relação ao idioma, deste original, devido suas possíveis origens
territoriais, como, Palestina, Sira ou Mesopotâmia, a língua, poderia ser o
grego, o aramaico ou até mesmo o siríaco. RAMOS, 2001, p.17).
O evangelho
sapiencial de Tomé
Segundo Ramos (2001, p.11) como escrito: “o Evangelho de Tomé compõe-se de um conjunto de
sentenças apresentadas como tendo sido proferidas por Jesus e transcritas por
Didímo Judas Tomé.” Essas sentenças ou ditos são pequenas unidades literárias
denominadas tecnicamente de lógion,
portanto, uma sentença ou dito é um lógion.
(RAMOS, 2001, p.16). No total, são 114 sentenças, algumas parecem ter certa
ligação, no entanto, a maioria, é apresentada de maneira casual, sem uma ordem
pré-estabelecida. Chavões como: “Jesus disse”, “Ele disse” por vezes “os
discípulos disseram” têm uma função sintática de articular e apagar o aspecto
fragmentário, dos ditos, na obra. Comum em circulação no mundo antigo, as
coletâneas de sentenças tem um destaque na literatura sapiencial judaica como
podemos observar nos textos de judeus sábios que compilaram escritos como:
Eclesiastes, Sabedorias de Salomão, entre outros documentos de tradição egípcia
e do oriente médio que remonta ao terceiro milênio a.C..(MEYER, 1993, p.16).
Quanto ao conteúdo do conjunto de ditos, a
sabedoria é personificada como uma figura feminina, assim como ocorre no livro
de provérbios. As interpretações narrativas da vida, paixão, morte e
ressurreição de Jesus não são abordadas, predominam conselhos se sabedoria cotidiana:
A sentença 21, por exemplo, recomendada
vigilância contra ataques de ladroes. A sentença 25 prescreve o amor ao
próximo. A sentença 26 adverte que uma autocritica sincera deve preceder a
fiscalização e a critica dos outros, e a sentença 31 reconhece que a
familiaridade provoca o desprezo. (MEYER, 1993, p.20).
O conteúdo de Tomé apresenta-se como uma
fonte de sabedoria mística que conduz o leitor para uma vida prudente.
Jesus no
Evangelho de Tomé
Diferente dos Evangelhos canônicos, o Jesus
do evangelho de Tomé não faz milagre, não cumpre profecias nem anuncia um reino
apocalíptico capaz de abalar as estrutura mundanas, também, não morre para
expiar os pecados e sequer ressuscita dos mortos deixando o sepulcro vazio. (MEYER,
2007, p.65). No evangelho de Tomé, Jesus é apresentado como um Mestre de
retidão peregrino, um sábio místico capaz de orientar o caminho da salvação por
meio do autoconhecimento uma figura intelectualizada, talvez, um asceta. Este
Jesus não é compatível com os evangelhos canônicos, pois não convoca a
acreditar, mas conhecer e, sua fé, leva-nos a proclamar uma sabedoria ao invés
de fins. (MEYER, 1993, p.124). Devido essa figura de Jesus, Tomé é considerado
como uma obra de tradição gnóstica.
Um evangelho de
tradição gnóstica
Há um debate, entre os estudiosos, acerca da
natureza gnóstica do Evangelho de Tomé. O termo gnose, para os gregos, tem o sentido de “conhecer a si mesmo” no
sentido em que as pessoas deveriam considerar-se seres mortais e não deuses,
mas na mentalidade gnóstica dos escritos cristãos apócrifos de Nag Hammadi,
“conhecer a si mesmo”, tem um sentido místico, pois traz o significado em que
as pessoas devem compreender que a alma (ou espirito) tem natureza divina. (MEYER
2007, p.57). Segundo Marwin Meyer (1993, p. 130), como fenômeno elitista, o
gnosticismo é um produto de intelectuais místicos, que está presente no
Evangelho de Tomé, e também, o ensinamento de um Jesus gnóstico, está implícito
em quase todas as sentenças na obra. (ibid. p.124). Nem todos os estudiosos
concordam com a posição de Meyer, a uma corrente que coloca Tomé como: o Quinto
Evangelho.
Independente de ser gnóstico ou não, a
verdade é que, os achados da Biblioteca de Nag Hammadi têm um peso histórico e
literário significante para o estudo do cristianismo-primitivo.
Considerações
Finais
O grande interesse, de teólogos, pelo
estudo do evangelho de Tomé vai além de suas questões dogmáticas e ganham valor
em duas linhas de pesquisas polemicas dentro da teologia, a saber: o estudo de
Jesus Histórico e o estudo das teorias
das fontes no Evangelhos sinópticos. Dentro da primeira linha de pesquisa, o
evangelho de Tomé retrata a imagem de um Jesus mais humano e menos contaminada
por aspectos de natureza gloriosa e divina. Enquanto na segunda linha
de pesquisa da composição formal, dos escritos neotestamentário, o evangelho de
Tomé reforça a hipótese da existência de um escrito original, fonte dos
evangelhos de Lucas e Mateus, denominado de Q (Quelle, fonte em alemão), pois a fonte de ditos Q, têm algumas
semelhanças com o arcabouço teológico e
cristológico de Tomé.
Finalizando, o evangelho de Tomé,
dentre tantos evangelhos produzido no período do cristianismo primitivo e preservados
em sua integralidade, é um documento indispensável, tanto em sua forma, quanto em conteúdo, para Diversas
áreas de estudos em teologia: historia do cristianismo primitivo, teologia
bíblica, entre outras áreas de destaque em debates na teologia cristã.
Bibliografia
MEYER, Marvin: BLOOM, Harold. O
Evangelho de Tomé: as sentenças de Jesus. Tradução para o inglês com
introdução, edição critica do texto copta e notas. Rio de Janeiro: Imago
Ed., 1993.
____________: Mistérios
gnósticos: as novas descobertas: o impacto da biblioteca de Nag Hammadi.
São Paulo: Pensamento, 2007.
VIELHAUER, Philipp, História da
literatura Cristã-Primitiva: Introdução ao Novo Testamento. Academia
Cristã: São Paulo, 2012.
RAMOS, José Augusto Martins. O
Evangelho de Tomé: Introdução, revisão e comentário. Lisboa, 2001