quinta-feira, 25 de junho de 2015

Breve considerações sobre o Evangelho de Tomé

Introdução
 

A teologia é um campo complexo, constituído por diversas áreas como: teologia prática, teologia sistemática, teologia fundamental e teologia bíblica. Estas áreas clássicas apontam as principais fontes do fazer teológico.
Dentro da área da teologia bíblica, a Bíblia é a principal fonte de estudos, porém não é possível descartar o apoio das ciências modernas que têm, no ultimo século, feito uma grande contribuição aos estudos bíblicos de tal maneira que já não é mais possível pensar num estudo coerente sem o auxilio de disciplinas ciências como: História, Arqueologia, Exegese, Hermenêutica, Linguística e Semiótica, entre outras. Atualmente, perspectivas interdisciplinares vêm demostrando uma grande importância para conceber novos olhares no campo bíblico.
A história das formas, perspectiva teórica que une a história e a linguística, trata-se de uma perspectiva que atualmente vem se destacando em estudos e pesquisas da formação, produção e composição textual da literatura do cristianismo-primitivo, de modo a servir como ferramenta para o teólogo fundamentar e legitimar com propriedade sua prática, como também, obter uma melhor compreensão das bases fundamentais da fé cristã. A tarefa da história das formas, no que se refere ao estudo da literatura ou dos escritos do cristianismo-primitivo, consiste não somente em classificar e analisar a literatura canônica neotestamentária, ela vai além, procura considerar, avaliar e implicar o valor dos demais escritos e literaturas produzidos no período do cristianismo-primitivo que abrange os dois primeiros séculos da era cristã.  
Os escritos do período do cristianismo primitivo podem ser estudados tanto com relação às pequenas formas, quanto às grandes formas. Os primeiros escritos eram pequenas formas textuais como: hinos, narrativas, pré-formuladas, parênese, compêndios de fé entre outras formas fixas de tradição oral, denominado, nos estudos de literatura cristã primitiva, de formas pré-literárias, no entanto, foram quatro, as grandes formas, que adquiriu destaque como forma literária no Novo Testamento, são elas: as cartas, atos dos apóstolos, o apocalipse e os evangelhos. (VIELHAUER, 2012, p.39,40.). O evangelho de Marcos, Lucas, Mateus e João são os mais conhecidos gêneros do novo Testamento, no entanto, na época dos cristãos primitivos, haviam outros escritos considerados do mesmo gênero, apesar da forma distinta de composição textual, como veremos adiante.
A origem do termo evangelhos
 
No meio cristão, o termo “evangelho” implica em dois usos distintos: primeiro, o evangelho denotando mensagem cristã e; segundo, quando a palavra é utilizada para indicar um livro que relata o nascimento, vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. (VIELHAUER, 2012, p.283).

A palavraΕυαγγέλιον é o termo técnico grego, da linguagem dos primeiros cristãos, usado para referir à pregação e a mensagem nas missões dos discípulos, tendo como tema Jesus Cristo, a palavra era usada de forma absoluta e no singular. (ibid.). Apesar de ser utilizado para referir as palavras que saem da boca do próprio Jesus, o termo Ευαγγέλιον era comumente atribuído à pregação e propagação acerca de Jesus Cristo aos judeus e gentios pelos apóstolos e discípulos, nesta proclamação, dentre todos os feitos e eventos que ocorreram na vida de Jesus, somente a morte e ressurreição tinha peso de valor salvífico na pregação, como podemos ver nas formulas de fé (pistís), de Paulo. (cf. 1Co. 15. 3-5.). (ibid.,p.284).
No Novo Testamento, apenas uma vez, em Mt 1.1, encontramos o termo “evangelho” denotando a história de Jesus de maneira mais interpretativa e expandida  e indicando pregação salvífica. (ibid.). Muito tempo depois, o teólogo Justino Mártir (100 d.C. – 165 d.C.), emprega o termo grego plural “Ευαγγέλιαcomo gênero de um conjunto de obras no Novo Testamento e por volta do ano 400 d.C. o termo se torna comum. (ibid., p.285.).
A produção de evangelhos, no sentido literário do termo, não ficou restrita as quatro obras neotestamentária que foram canonizadas no séc. II, há outros escritos que foram considerados como, evangelhos apócrifos, por não serem aceitos dentro do cânone, como por exemplo: o evangelho de Filipe, de Maria e o Evangelho de Tomé entre outros mais. Vamos neste trabalho conhecer de maneira breve, um destes evangelhos apócrifos, o Evangelho de Tomé.
O Evangelho de Tomé é um dentre tantos evangelhos produzido no período do cristianismo primitivo. Classificado como apócrifo, ou seja, que não se inclui dentro do cânone da tradição cristã, tem origem copta e, é o mais preservado com relação a sua integralidade. (VIELHAUER, 2012, p.642). A descoberta do Evangelho de Tomé ocorreu em 1945, na cidade egípcia de Nag Hammadi, onde havia outros evangelhos como: o Evangelho de Felipe, o Evangelho da Verdade, o Evangelho dos egípcios  e o Evangelho de Maria. (RAMOS, 2001, p.17).
Antes da descoberta da biblioteca de Nag Hammad, O Evangelho de Tomé era conhecido apenas pela citação de pequenos trechos nos escritos dos antigos padres da igreja como Cirilo de Jerusalém (313 d.C. -  386 d.C.) e Hipólito de Roma (170 d.C. – 260 d.C.). Essas citações atribuíam o evangelho de Tomé a grupos heréticos como, por exemplo, os gnósticos. (MEYER, 1993, p.14).
Diversos gêneros: textos exegéticos e sapienciais, orações, atos, cartas apocalipses e evangelhos foram encontrados entre os manuscritos de Nag Hammad. Entre os 13 códices, o Evangelho de Tomé encontra-se no  NHC II. (VIELHAUER, 2012, p.646). Mas precisamente, no códice II, tratado 2, desde a pagina 32, linha 10, até à pagina 51, linha 28. (RAMOS, 2001, p.14). Por conter ditos de Jesus, houve uma grande procura após sua publicação em 1956. (Ibid. 648). O original pode tem possível origem na Palestina, Siria ou Mesopotâmia. (RAMOS, 2001, p.17). Alguns autores se arriscam a fixar sua origem na Síria.
Devemos levar em consideração que em relação à classificação do escrito de Tomé, como um Evangelho, indica um interesse e uma tentativa de nivela-lo com os Evangelhos canônicos. (ibid. p.15). Alguns liberais e entusiastas o colocam como o quinto evangelho, algo que devemos olhar com certa desconfiança.
A língua do Evangelho de Tomé

             O Evangelho de Tomé de Nag Hammad tem origem na língua Copta. A língua copta é um sistema de escrita semítico que se originou por volta do século IV d. C. com o declínio da clássica língua egípcia e a entrada de cristãos no Egito no período romano. Assim, o copta é o ultimo estágio evolutivo da língua egípcia e iniciou com o Cristianismo no Egito. Com a entrada dos árabes no século VII no Egito, ela foi pouco à pouco suplantada pela língua árabe tendo seu desuso por volta do século XVII d. C.
A literatura copta em sua maioria é composta de materiais eclesiásticos e bíblicos, produzida por cristãos egípcios como: evangelista Marcos, Santo Antônio, São Cirilo Santo Atanásio, São Teófilo, entre outros. Atualmente, apesar de falarem o árabe, os cristãos egípcios, da igreja copta ortodoxa e católica, utiliza na língua litúrgica o idioma copta. Neste idioma, há poucos escritos não-religiosos. A maioria dos documentos estão no formato de “códice”, um tipo de livro feito com folhas de papiro ou couro costuradas como um caderno.
A versão copta do Evangelho de Tomé parece ser uma cópia de um original que remonta ao séc. II. As opiniões de estudioso variam em relação ao idioma, deste original, devido suas possíveis origens territoriais, como, Palestina, Sira ou Mesopotâmia, a língua, poderia ser o grego, o aramaico ou até mesmo o siríaco. RAMOS, 2001, p.17).
O evangelho sapiencial de Tomé
 
Segundo Ramos (2001, p.11) como escrito: “o  Evangelho de Tomé compõe-se de um conjunto de sentenças apresentadas como tendo sido proferidas por Jesus e transcritas por Didímo Judas Tomé.” Essas sentenças ou ditos são pequenas unidades literárias denominadas tecnicamente de lógion, portanto, uma sentença ou dito é um lógion. (RAMOS, 2001, p.16). No total, são 114 sentenças, algumas parecem ter certa ligação, no entanto, a maioria, é apresentada de maneira casual, sem uma ordem pré-estabelecida. Chavões como: “Jesus disse”, “Ele disse” por vezes “os discípulos disseram” têm uma função sintática de articular e apagar o aspecto fragmentário, dos ditos, na obra. Comum em circulação no mundo antigo, as coletâneas de sentenças tem um destaque na literatura sapiencial judaica como podemos observar nos textos de judeus sábios que compilaram escritos como: Eclesiastes, Sabedorias de Salomão, entre outros documentos de tradição egípcia e do oriente médio que remonta ao terceiro milênio a.C..(MEYER, 1993, p.16).
Quanto ao conteúdo do conjunto de ditos, a sabedoria é personificada como uma figura feminina, assim como ocorre no livro de provérbios. As interpretações narrativas da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus não são abordadas, predominam conselhos se sabedoria cotidiana:
A sentença 21, por exemplo, recomendada vigilância contra ataques de ladroes. A sentença 25 prescreve o amor ao próximo. A sentença 26 adverte que uma autocritica sincera deve preceder a fiscalização e a critica dos outros, e a sentença 31 reconhece que a familiaridade provoca o desprezo. (MEYER, 1993, p.20).

O conteúdo de Tomé apresenta-se como uma fonte de sabedoria mística que conduz o leitor para uma vida prudente.
Jesus no Evangelho de Tomé 

Diferente dos Evangelhos canônicos, o Jesus do evangelho de Tomé não faz milagre, não cumpre profecias nem anuncia um reino apocalíptico capaz de abalar as estrutura mundanas, também, não morre para expiar os pecados e sequer ressuscita dos mortos deixando o sepulcro vazio. (MEYER, 2007, p.65). No evangelho de Tomé, Jesus é apresentado como um Mestre de retidão peregrino, um sábio místico capaz de orientar o caminho da salvação por meio do autoconhecimento uma figura intelectualizada, talvez, um asceta. Este Jesus não é compatível com os evangelhos canônicos, pois não convoca a acreditar, mas conhecer e, sua fé, leva-nos a proclamar uma sabedoria ao invés de fins. (MEYER, 1993, p.124). Devido essa figura de Jesus, Tomé é considerado como uma obra de tradição gnóstica.
Um evangelho de tradição gnóstica 

Há um debate, entre os estudiosos, acerca da natureza gnóstica do Evangelho de Tomé. O termo gnose, para os gregos, tem o sentido de “conhecer a si mesmo” no sentido em que as pessoas deveriam considerar-se seres mortais e não deuses, mas na mentalidade gnóstica dos escritos cristãos apócrifos de Nag Hammadi, “conhecer a si mesmo”, tem um sentido místico, pois traz o significado em que as pessoas devem compreender que a alma (ou espirito) tem natureza divina. (MEYER 2007, p.57). Segundo Marwin Meyer (1993, p. 130), como fenômeno elitista, o gnosticismo é um produto de intelectuais místicos, que está presente no Evangelho de Tomé, e também, o ensinamento de um Jesus gnóstico, está implícito em quase todas as sentenças na obra. (ibid. p.124). Nem todos os estudiosos concordam com a posição de Meyer, a uma corrente que coloca Tomé como: o Quinto Evangelho.
Independente de ser gnóstico ou não, a verdade é que, os achados da Biblioteca de Nag Hammadi têm um peso histórico e literário significante para o estudo do cristianismo-primitivo.
Considerações Finais 

            O grande interesse, de teólogos, pelo estudo do evangelho de Tomé vai além de suas questões dogmáticas e ganham valor em duas linhas de pesquisas polemicas dentro da teologia, a saber: o estudo de Jesus Histórico e o  estudo das teorias das fontes no Evangelhos sinópticos. Dentro da primeira linha de pesquisa, o evangelho de Tomé retrata a imagem de um Jesus mais humano e menos contaminada por  aspectos de natureza  gloriosa e divina. Enquanto na segunda linha de pesquisa da composição formal, dos escritos neotestamentário, o evangelho de Tomé reforça a hipótese da existência de um escrito original, fonte dos evangelhos de Lucas e Mateus, denominado de Q (Quelle, fonte em alemão), pois a fonte de ditos Q, têm algumas semelhanças com o arcabouço  teológico e cristológico de Tomé.
            Finalizando, o evangelho de Tomé, dentre tantos evangelhos produzido no período do cristianismo primitivo e preservados em sua integralidade, é um documento indispensável,  tanto em sua forma, quanto em conteúdo,  para  Diversas áreas de estudos em teologia: historia do cristianismo primitivo, teologia bíblica, entre outras áreas de destaque em debates na teologia cristã.  
Bibliografia
 
MEYER, Marvin: BLOOM, Harold. O Evangelho de Tomé: as sentenças de Jesus. Tradução para o inglês com introdução, edição critica do texto copta e notas. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993.

____________: Mistérios gnósticos: as novas descobertas: o impacto da biblioteca de Nag Hammadi. São Paulo: Pensamento, 2007.

VIELHAUER, Philipp, História da literatura Cristã-Primitiva: Introdução ao Novo Testamento. Academia Cristã: São Paulo, 2012.

RAMOS, José Augusto Martins. O Evangelho de Tomé: Introdução, revisão e comentário. Lisboa, 2001

 

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